Nem tudo numa viagem são flores, mas dependendo da sua ação pode se tornar.
Inverno de 2011, mais precisamente Janeiro, ali estava eu, com um grupo de brasileiros em frente a uma das portas do Grand Bazar. Dali todos voltaríamos juntos ao nosso hotel.
Enquanto aguardávamos algumas pessoas, o toque para o chamado da oração da tarde começava a ecoar pela cidade.
Nesse momento uma pessoa me pergunta o que significava aquilo e eu, ingenuamente, repeti o som que era feito pelos auto falantes dos minaretes.
Até hoje eu não me lembro, de verdade, se fiz isso de uma maneira desrespeitosa. De acordo com as testemunhas, eu não fiz nada de errado, mas ainda acho que eles disseram isso para aliviar o meu lado.
De repente, um senhor com 1,95 de altura vem na minha direção, segura meus ombros com força, começa a me xingar e a falar que eu estava desrespeitando sua religião.
Tentei me defender dizendo que jamais faria isso, mas ele continuava visívelmente nervoso.
Momentos depois, alguns policiais que estavam por perto, apartaram nossa discussão.
Saí dali com um sentimento de raiva. Afinal, eu não estava falando mal da religião dele.
No dia seguinte, segui viagem pelo interior da Turquia e aquela sensação foi desaparecendo com o tempo.
Quinze dias depois, estava eu novamente chegando próximo ao mesmo portão, com um outro grupo de brasileiros, quando uma das pessoas perguntou ao nosso guia:
– Você conhece uma boa loja de tapetes por aqui ?
Para meu espanto a resposta foi:
– Sim, eu conheço! É daquele senhor que está na porta.
Não preciso dizer que o senhor em questão era meu “velho amigo”.
Nesse momento virei para o grupo e disse:
– Nessa loja ninguém entra! Esse cara aí é maluco! E seguimos todos direto.
A noite, quando cheguei no hotel, uma sensação pior do que da primeira vez tomou conta de mim. Agora, a raiva era comigo mesmo.
– Por que fiz isso? Será que ainda não aprendi que não se trata um “mal entendido” com uma ação negativa?
Não dormi direito aquela noite e logo cedo eu parti novamente para o interior da Turquia.
Felizmente um mês depois, eu estava de volta em Istambul e uma das minhas primeiras ações foi pegar um amigo meu que mora lá e levá-lo até a loja desse senhor.
Pedi a ele que traduzisse tudo, não queria correr riscos do meu inglês não dizer tudo o que eu queria.
Entramos na loja, ele cumprimentou meu amigo e a mim com um sorriso típico de todo turco.
Após algumas palavras, ele se lembrou de mim e seu semblante se transformou.
Antes de me expulsar da loja eu contei a ele tudo o que havia se passado, da maneira como impedi as pessoas de entrarem na loja dele, e como aquilo me fez mal.
Disse também que jamais tinha tido a intenção de ofender sua religião, que respeitava os mulçumanos e que até tinha comprado um alcorão para entender melhor o islamismo.
Pedi perdão, estendi a minha mão e disse:
– Vamos começar do zero?
Meu nome é Rogério Enachev, sou brasileiro, cristão e pai de dois filhos.
Esse senhor de quase 2 metros de altura quase desabou, apertou minha mão, sorriu e disse:
– Vamos começar do zero sim, meu nome é Hulusi, sou turco, dono dessa loja…..
Ficamos ali um tempo conversando e tomando chá. Um tempo muito especial na minha vida, de alegria e aprendizado.
Hoje somos bons amigos e toda vez que vou a Istambul passo por lá para abraçá-lo.
O que posso garantir é que a sensação de ver algo resolvido é um milhão de vezes melhor, do que ficar cultivando raiva ou vontade de se vingar.
Sou extremamente apaixonada pela Turquia. Já fui duas vezes e iria todos os anos se pudesse, mas o jeitinho turco, tirando a simpatia meio que obrigatória dos comerciantes, não é tãaaaaao afável. Na minha primeira viagem, apesar de ter me encantado com os lugares, fiquei meio assustada com a truculência turca. Na segunda vez que fui, comecei a olhar com outros olhos, e vi que sim, é o jeito deles, mas apenas o jeito e não a alma… eles têm um coração enorme, e bastam minutos de conversa para ver o quão queridos são. Amo a Turquia, a sua cultura e, claro, o seu povo. Que saudade!
Oi, Enachev,
Muito boa esta sua história. Você deve ter inúmeras outras situações interessantes para contar. Não deixe e fazê-lo.
Um abração,
Mariléa
Afinal, o que foi mesmo o mal entendido?